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Heitor Peixoto
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VIOLÊNCIA SEXUAL
18/10/2021 10:21
Adriana Negreiros narra violência que sofreu em 2003. Foto: Daryan Dornelles
Ao mesmo tempo, você diz que a escrita, embora sofrida, foi também de “muito alívio”. De que forma?
Por razões diversas, nunca havia conversado sobre o estupro com ninguém. Eu simplesmente não queria falar sobre isso. Escrever a respeito da violência e, pela primeira vez, “falar” sobre o assunto foi uma forma de pôr para fora sentimentos que tanto me angustiavam. Desabafar, dito de modo mais direto. De alguma maneira, ao escrever sobre o crime, consegui dar sentido à experiência. Não para extrair dela algo positivo, porque não acredito nessa baboseira de que tudo tem um propósito, mas para compreender como ela me afetou — e de que maneira posso, ao identificar a dimensão dos estragos que me foram causados, tentar reverter alguns deles.
O livro conta histórias de violência sexual ocorridas ao longo de vinte anos (1994 a 2014). Como foi essa coleta de casos, e, mais do que isso, que mulheres encontrou nesse processo? Algum ponto de convergência entre elas, que tenha chamado a sua atenção?
As redes sociais ajudaram-me a encontrar as mulheres. Em um primeiro momento, foi difícil encontrar quem topasse dar-me entrevista para o livro. Depois, a dificuldade foi outra, selecionar as personagens dentre tantas que me escreviam diariamente (o que é terrivelmente triste, porque prova como há muitas vítimas de violência sexual). Encontrei mulheres de todo o tipo que você possa imaginar, embora seja importante ressaltar que a violência sexual, como de resto todas as outras violências, atinge principalmente as mulheres negras e pobres.
Consegui identificar o ponto de convergência a partir de uma pergunta feita por uma das entrevistadas. Ela tinha curiosidade em saber se o estuprador dela — no caso, o avô — possuía alguma noção, ao violentá-la, de como estava estragando uma vida para sempre. O verbo que ela usou foi outro, com dupla conotação — fodendo. Dei-me conta de que essa era uma pergunta que também me inquietava, como de resto às outras mulheres. É uma certa incompreensão. Gente, por quê? Por que fizeram isso? Por que nos marcaram desse jeito para sempre? E aí vem uma pergunta perigosa e terrivelmente cruel, mas que, em algum momento, por mais conscientes das opressões de gênero que sejamos, todas nós nos fazemos: o que eu fiz para merecer isso?
Portanto, o ponto de convergência talvez sejam dois, um tanto dialéticos: a incompreensão e a dor.
Sabemos que esse tipo de violência e suas múltiplas manifestações, longe de serem casos isolados, são o cotidiano de milhões de mulheres, sobretudo no atual momento do Brasil, governado por um presidente que inclusive já zombou do assunto (em um dos casos mais notórios, numa discussão com a então colega de Parlamento Maria do Rosário). Você considera que o país hoje é ainda mais perigoso para as mulheres? De que forma?
Infelizmente, penso que sim. No livro, eu analiso, inclusive, como o atual presidente valeu-se da cultura do estupro para ganhar adesão. Ao reforçar um pensamento vigente em certos setores de que as mulheres estão aí para serem estupradas, conquistou votos de quem pensa como ele — e viu-se representado na própria misoginia. Representado no discurso e na prática (daí os perigos). A frase “não te estupro porque você não merece” é horrenda, mas eficiente no sentido de expressar, com perfeição, a cultura do estupro presente na sociedade brasileira — nas piadas “politicamente incorretas” que tanto sucesso fizeram nas duas últimas décadas, na romantização das relações abusivas em músicas, filmes e novelas, na publicidade sexista que trata as mulheres como objetos para deleite dos homens. O combate à violência sexual, para ser eficiente, precisa ser feito em águas profundas, agindo em nossa mentalidade coletiva.
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