STF retoma julgamento da titulação de terras quilombolas
Congresso em Foco
18/3/2015 | Atualizado às 11:04
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Ana Paula Santos *Antônio Cruz/Agência BrasilO Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quinta-feira (19) o julgamento sobre a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 3239, referente ao Decreto 4887/2003. A votação desse decreto decidirá o rumo das políticas implantadas no Brasil para comunidades quilombolas, conforme asseguram os artigos 31 e 34 do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 20 de julho de 2010).
O Decreto 4887/2003 foi promulgado pelo ex-presidente Lula e tem por objetivo regulamentar o procedimento para identificação e titulação das terras ocupadas por remanescentes quilombolas.
Segundo a chefe da Procuradoria Federal junto à Fundação Palmares, Dora Lúcia Lima, que acompanha o trâmite do processo no STF, a ação direta de inconstitucionalidade é mais um posicionamento ideológico do que uma ação jurídica. Sua expectativa é que os ministros do Supremo tenham a percepção de que a titulação das terras quilombolas é um ato de Estado que está garantido na Constituição.
Constam do Decreto 4887/2003, entre outras disposições, a definição de competência, ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente a estados, Distrito Federal e municípios. O decreto também define que é a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) o órgão que tem por responsabilidade fazer o acompanhamento das ações de regularização fundiária.
"Espero que seja julgada ação improcedente. Porém, aconselho a presidenta Dilma Rousseff a fazer uma republicação do decreto com algumas correções, pois é preciso que ele seja aperfeiçoado", afirmou o ativista e advogado Humberto Adami, membro da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil.
Motivação do julgamentoA ação direita de inconstitucionalidade foi movida pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atualmente denominado Democratas (DEM). Como consta no site do STF (confira), a tramitação da ação contestando a constitucionalidade desse decreto teve início em junho de 2012, com relatoria entregue ao ministro Antonio Cezar Peluso. O magistrado deixou a corte justamente naquele mês.
À época, a ministra Rosa Weber pediu vista do processo durante o julgamento. A matéria está pronta para ser novamente incluída na pauta do plenário. O advogado Fabrício Medeiros, que integra o departamento jurídico do DEM, informou que o partido não é contra as comunidades quilombolas. Porém, questiona o procedimento utilizado pelo decreto para reconhecer como definitiva as propriedades dessas comunidades.
Atuação dos movimentos sociaisA Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) tem realizado mobilização em todo o país em torno do assunto. A entidade publicou um documento em uma rede social intitulado "Por que defendemos o Decreto 4887/2003". No texto, questiona a motivação de considerar o decreto como inconstitucional, lembrando que as comunidades quilombolas lutam há 11 anos por seus direitos. A Conaq destaca ainda que o Estatuto da Igualdade Racial legitima o direito da etnia à posse da região.
"Este decreto beneficia a comunidade quilombola, pois é uma conquista. Caso seja votado que o decreto 4887/2003 é inconstitucional, será um impacto negativo para as comunidades, e iremos ficar mais distantes da realidade do nosso povo, que é ter as nossas terras de volta", disse Carlos Eduardo, quilombola do Morro do São João, em Santa Rosa do Tocantis (TO).
Apesar da atuação da Fundação Palmares em reconhecer e certificar mais de 2.400 comunidades, as políticas públicas para o assunto ainda não atendem à quantidade significativa de quilombolas no Brasil, segundo reportagem publicada na revista Carta Capital.
Questionado sobre o julgamento da ADI 3239, o membro da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas José Antonio Ventura informou que "a morosidade da titulação e demarcação das terras gera conflitos entre as comunidades e os fazendeiros, que o decreto só tem valor se forem colocadas em prática as ações para o fortalecimento dos quilombolas e que a posição do DEM é de um partido racista".
* Especial para o Congresso em Foco.