Itamar Garcez *Otaviano Canuto é um sergipano que gosta de números. Provavelmente por isto seja hoje diretor do Banco Mundial.
Morador dos arredores de Washington, ele também gosta de música. Quem tiver a oportunidade de tê-lo como anfitrião, poderá apreciar um solo de violão. Além de uma boa prosa.
Quando vê um norte-americano de cabelo engomado, Canuto não cria divagações. Relata que o sujeito tem cabelo engomado. "Pronto", como diria o saudoso Marcelo Déda, sergipano de boa cepa.
No último sábado, 19, a Folha de S.Paulo publicou entrevista onde o diretor do banco encara positivamente as medidas econômicas anunciadas por Donald Trump, presidente eleito dos EUA. Ele "vai chutar o pau da barraca", conclui o economista.
Investimentos bilionários em infraestrutura, corte de impostos para empresas e desregulamentação do mercado financeiro e empresarial. Este, em síntese, é o pacote prometido pelo republicano desbocado e de cabelo engomado.
Em artigo para o Huffington Post, Canuto compara as medidas prometidas por Trump com as de Ronald Reagan, o ator-presidente dos anos 1980, que impulsionaram o PIB e a renda nos EUA. Enfim, Canuto elogia as medidas que Trump prometeu implementar.
ReproduçãoNão é o caso aqui de analisar o pensamento macroeconômico do trumperismo. Mas de defender a análise sem torcida. Ou seja, não repetir o erro dos jornalistas que torciam por Hillary Clinton, a democrata derrotada.
Mal as apurações se encerraram e os leitores de jornais passaram a ser bombardeados com o anúncio do apocalipse, que sobrevirá sobre os terráqueos com a ascensão de Trump. Se os veículos de comunicação erraram nas avaliações antes, por que acreditar que estão certos agora?
Da mesma forma, de acordo com vetustos matutinos e magazines, o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia aprovada em plebiscito, trará consequências danosas ao Velho Continente. Os textos recendem inconformismo.
Interregno históricoCanuto não prevê um boom econômico para os EUA. O título de seu artigo (Mr. Trump, você consegue entregar isto?) sugere um cenário incerto. Mas quem esperava que o cowboy Reagan iria turbinar a economia?
Trump pode acertar. E o acerto dele vai ser bom para uns e ruim para outros. Como sói acontecer sempre que o presidente do país mais poderoso do mundo toma uma decisão.
Provavelmente nem o próprio Trump sabe ao certo o que vai fazer. As previsões eram de tal sorte indicadoras de que ele perderia a eleição, que o eleito ainda pode estar pensado: "What now?".
Trump será um Rodrigo Duterte, o iracundo presidente filipino? Ou reencarnará o espírito de Reagan, que, ao lado da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, dominou o cenário mundial dos anos 1980?
Vivemos um interregno histórico. Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, findou-se um mundo bipolar, onde éramos impelidos a escolher entre um lado e outro. Tempos de patrulha, hoje conhecida como "politicamente correto".
Tirante a esquerda, que ainda acredita na ressureição de Lênin, o mundo está correndo para muitas direções. Ninguém sabe o que vai submergir dessa barafunda.
O dualismo político do século XX não é a melhor régua. O jornalismo tem que apurar, investigar e relatar. E, claro, aprender matemática.
* Itamar Garcez é jornalista.Mais sobre Donald TrumpMais sobre política externa