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Congresso em Foco
28/7/2016 | Atualizado 9/8/2016 às 11:31

Elian Rovani passou o dia na fazenda do pai, distante cerca de oito quilômetros de Marcelândia, no extremo Norte do Mato Grosso, naquela segunda-feira, 30 de novembro de 2015. Estava acompanhado do irmão, Edgar, e do primo Lucas, que tinha vindo do Paraná para visitar a família. Elian estava feliz porque o pai, Milton, deixou-o dirigir o trator e levar sal para o gado. Aos 15 anos, trabalhava como homem na fazenda, mas tinha sonhos de menino. Queria estudar no Canadá e montar um zoológico na propriedade do pai. No início da noite, os irmãos e o primo pegaram o Fiat Uno preto, acompanhados do empregado Everaldo, e seguiram para a cidade. Chegaram rapidamente à ponte de madeira sobre o Rio dos Patos, na estrada estadual MT-320, às 19h35. Velha, sem muretas, sem proteção nas cabeceiras, sem iluminação e sinalização, não apresentava qualquer segurança. Mas naquele dia eles enfrentariam um perigo ainda maior.
Na direção, Edgar, de 25 anos, percebeu que um caminhão se aproximava velozmente no sentido contrário, vindo da cidade. O veículo, descontrolado, passou reto pelo quebra-molas e seguiu saltando, aos trancos. Como a ponte permitia a passagem de apenas um veículo por vez, Edgar acelerou para atravessar logo e evitar um possível choque. Elian estava ocupado digitando mensagens ao celular e, talvez, nem tenha percebido o que ocorria. O carro passou a ponte e estacionou no acostamento à direita. Mas Edgar viu que a carreta Scania, de uma transportadora de Sinop (MT), se aproximava rapidamente. [caption id="attachment_253611" align="aligncenter" width="580" caption="Ponte onde aconteceu o acidente foi abandonada"]
– Quando vi que era um Uno preto levei um choque. Dei uma volta grande, desviando as tábuas, e fui clarear na frente. Quando identifiquei duas letras da placa, eu vi alguém tentando tirar as madeiras de cima do carro com a mão.
Ele iluminou e perguntou? – É você que tá aí, filho? Edgar confirmou. Lucas já havia saído pelo vidro da porta direita. Milton perguntou: – Quem mais veio com vocês? – Pai, o Elian não está conversando – respondeu o filho mais velho. Como ele não conseguiu ver o caçula, deu mais uma volta grande e iluminou o filho por baixo das ferragens. O menino estava com a boca quebrada, imóvel, já ficando pálido, com sangue escorrendo dos dois ouvidos. Como não estava preso, foi retirado pela janela. – Tive mais um choque. “Tá morto”, pensei. Pedi ajuda a Deus: “O que eu faço aqui?”. [caption id="attachment_253620" align="aligncenter" width="580" caption="Tábuas sobre a ponte"]
As pessoas continuavam tirando a madeira de cima. Terminaram de cortar, engataram a corrente e levantaram o teto do carro. Ele sentou-se no banco do carona e ficou apoiando o filho, que já estava mais confortável. Imaginou que as pernas estavam quebradas. Edgar ficou por duas horas preso. Tiveram que ir buscar macaco hidráulico na cidade, distante cinco quilômetros, para levantar a parte dianteira do carro. Ele foi levado para um hospital em Colíder, distante 126 quilômetros.
Aulas suspensas
Centenas de pessoas aguardavam, em frente ao hospital da cidade, notícias sobre o acidente na ponte. Aulas foram suspensas nos dias seguintes. Elian cursava o segundo ano do segundo grau. Estaria formado aos 16 anos no final do ano seguinte. O terceiro ano da escola particular já estava pago. Queria estudar veterinária, com o irmão. Ajudava o pai no escritório de contabilidade, mas dizia que preferia trabalhar na fazenda. Torcedor do São Paulo, tinha “uns namoricos”, mas nada sério, conta o pai.
A mãe interrompe o relato do pai e fala dos sonhos do filho:
– Ele falava que ia para o Canadá estudar e depois fazer um zoológico na nossa fazenda. Ele dizia: “É muito investimento, mas não é agora, mãe”.
A mulher começa a chorar baixinho e não consegue falar mais nada. Recostado na mesma poltrona onde costumava assistir televisão junto com o filho, o pai controla a emoção e prossegue:
– Estava feliz porque deixamos ele levar sal no cocho. Dirigia trator, camionete, Golf lá na fazenda. Aqui na cidade, não.
A fazenda de 800 hectares já teve mais de 800 cabeças de gado. Mas Milton teve que vender a maior parte para investir na faculdade do filho e da nora.
– Tivemos bem mais gasto do que renda e foi murchando o gado. O gado é o que se vende quando precisa de dinheiro.
Sobre a vocação de Elian, comentou:
– Primeiro, falou em fazer veterinária porque o outro irmão tinha feito. Depois, eu falei: “Ah, filho, você faz o que você quiser, mas pra dar um par bonito, você faz agronomia. Ele cuida dos animais e você cuida da terra”. Ele gostou bastante, mas era jovem ainda.
O pai confirma que o rapaz preferia a fazenda ao escritório. Gostava de andar a cavalo, ajudava a vacinar o gado. Já estava pegando todo o serviço.
– Eu dizia: você pode ser um adolescente. Mas lá, na fazenda, você já é um homem para trabalhar. Toda hora que trabalhar, você marca e eu pago R$ 6,00 por hora. Ele anotava tudo no celular. Quando morreu, tinha R$ 1,2 mil para receber.
Cinco pontes
A estrada estadual que liga Marcelândia à BR 163, numa extensão de 92 quilômetros, é quase toda asfaltada, mas conta com cinco pontes de madeira, todas sem guarda, sem sinalização, sem proteção nas cabeceiras, com espaço para a passagem de apenas um carro por vez. A primeira delas, partindo da BR-163, está inclinada para um lado. Quando estivemos na cidade, em maio deste ano, observamos por baixo que um pilar está quebrado, torto. Ele é mantido por uma emenda de ferro, presa por quatro parafusos.
[caption id="attachment_253621" align="aligncenter" width="580" caption="Carreta passa no ponte com pilar emendado"]

O nome da cidade é uma homenagem ao filho do colonizador, Marcelo.
Questionado se era tudo mata nativa, o prefeito responde prontamente:
– Tudo mata nativa. Aqui faz parte da Floresta Amazônica. Nós temos 1 milhão e 230 mil hectares da área, com cerca de 300 mil hectares abertos. O resto está tudo com mata. Só na Reserva do Xingu tem 160 mil hectares de floresta.
Ele não se conforma com essa situação.
– Hoje, o cidadão que tem uma área pode desmatar até 20% para explorar com lavoura, com pecuária. O resto tem que ficar como reserva. O Brasil é um dos poucos países do mundo onde se faz reserva ambiental. Na Europa, até nas margens dos grandes rios tem agricultura. Nós entendemos a necessidade de manter uma reserva, mas em termos racionais. Foi, parece-me, um delírio etílico do Sarney Filho, que entrou com essa proposta, executada pelo presidente FHC, de fazer uma reserva de 80%.
[caption id="attachment_253649" align="aligncenter" width="580" caption="Para prefeito, reserva de 80% é “delírio etílico” "]

um processo. Segundo, eu quero ver esse motorista preso. Porque um cara que vai dirigir de noite, bêbado, e passa por cima de um carro... Foi tirada mostra de sangue e feito exame. Deu 19 ml de álcool. Três ou quatro já estão acima do limite. Agora vou fazer acordo? O que adianta pegar dinheiro? Vou pedir dinheiro porque o carro acabou.
Mas ele também aponta outras falhas que resultaram no acidente:
– Se fosse mover ação contra a prefeitura, contra o estado, seria mais sério porque o governo não fez a ponte, não tem sinalização no asfalto. A prefeitura estava fazendo uma obra. Se tivesse feito quebra-molas lá pra trás, o caminhão teria parado. A madeira não estava bem amarrada com aquelas fitas. As fitas estouraram e muita madeira caiu esparramada.
Na madrugada do dia 2 de junho deste ano, o policial Celso Montipó, acompanhado do advogado Vinícios Menegol, perdeu o controle da sua Lifan vermelha e caiu numa das pontes de madeira no trecho da MT-320 entre Marcelândia e Nova Santa Helena. Uma das pontes estreitas, sem guarda, sem iluminação, sem sinalização e sem compromisso com a segurança do usuário. O carro capotou e ficou muito amassado. Presos às ferragens, os dois não resistiram aos ferimentos. Morreram no local.
Confira amanhã: “As pontes de toras de árvore em meio à Floresta Amazônica”
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