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Congresso em Foco
9/7/2020 | Atualizado 10/10/2021 às 17:34
Guanambi, a filha, ficou totalmente sozinha. Inconsolável, chorava muito. Especialmente nas horas em que sua mãe costumava levá-la a passear. Mesmo pequena só queria visitar o túmulo da mãe. Não queria mais viver. Pedia a ela e aos espíritos que viessem buscá-la e a levassem lá onde estivesse a sua mãe.
De tanta tristeza Guanambi foi definhando dia após dia até que também ela morreu. Os parentes ficaram muito penalizados com tanta desgraça sobrevindo sobre a mesma família.
Mas, curiosamente, seu espírito não virou borboleta como a dos demais índios da tribo. Ficou aprisionado dentro de uma linda flor lilás, pertinho da sepultura da mãe. Assim podia ficar junto da mãe, como havia pedido aos espíritos.
A mãe Coaciaba, cujo espírito fora, sim, transformado em borboleta, esvoaçava de flor em flor sugando néctar para se fortalecer e encetar sua viagem ao céu.
Certo dia, ao entardecer, ziguezagueando de flor em flor, pousou sobre uma linda flor lilás. Ao sugar o néctar, ouviu um chorinho triste e doce. Seu coração estremeceu e quase desfaleceu de emoção. Reconheceu dentro dela a vozinha da filha querida Guanambi. Como poderia estar aprisionada ai? Refez-se da emoção e disse:
-Filha querida, mamãe está aqui com você. Fique tranquila que vou libertá-la para juntos voarmos para o céu.
Mas deu-se logo conta de que ela era uma levíssima borboleta e que não teria forças para abrir as pétalas, romper a flor e libertar a filhinha querida. Recolheu-se então a um canto e, em lágrimas, suplicou ao Espírito criador e a todos os ancestrais da tribo:
-Por amor ao meu marido, valente guerreiro, morto em defesa de todos os parentes, por compaixão de minha filha órfã Guanambi, presa no coração da flor lilás, eu vos imploro Espírito benfazejo e a vós todos, anciãos de nossa tribo: transformem-me num passarinho veloz e ágil, dotado de um bico pontiagudo para romper a flor lilás e libertar a minha querida filhinha.
Tanta foi a compaixão despertada por Coaciaba que o Espírito criador e os anciãos da tribo atenderam, sem delongas, a sua súplica. Transformaram-na num belíssimo beija-flor, leve, ágil, que pousou imediatamente sobre a flor lilás. Sussurrou com voz carregada de enternecimento:
-Filhinha, sou eu, sua mãe. Não se assuste. Fui transformada num beija-flor para vir libertá-la.
Com o bico pontiagudo, foi tirando com cuidado pétala por pétala até abrir o coração da flor. Lá estava Guanambi sorridente, estendendo os bracinhos em direção da mãe.
Purificadas e abraçadas voaram alto, cada vez mais alto até chegarem juntas ao céu.
Desde então se introduziu entre indígenas amazônicos, o seguinte costume: sempre que morre uma criança órfã, seu corpinho é coberto de flores lilás, como se estivesse dentro de uma grande flor, na certeza de que a mãe, na forma de um beija-flor, venha buscá-la para, abraçadas, voarem para o céu, onde estarão eternamente juntas e felizes com todos os antepassados e com todos os demais parentes.
*Leonardo Boff reescreveu mitos-estórias de nossos povos indígenas: "O casamento entre o céu e a Terra”, Mar de Ideias, Rio de Janeiro 2014.
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